30 julho 2009

Contacto con Salero

É no dia em que soube que fui seleccionado para o Inov Contacto que começa esta história.

A 13 de Dezembro fiz a mala e fui para Lisboa. A semana de formação estava prestes a começar e um nervoso miúdinho percorria o meu corpo. Foi aí que frequentei o Curso de Práticas Internacionais e conheci as primeiras pessoasO dia pelo qual todos ansiávamos chegou e foi-nos divulgado o nosso destino. Ia para Estocolmo mas foi, finalmente, Barcelona que me acolheu. E um mundo novo a mim se abriu.


Foi então, de “portunhol” em punho, que começou a terrível odisseia para encontrar um quarto. Vi dezenas de casas e todas tinham algo em comum: quartos interiores com pouco mais de alguns metros quadrados com janelas que davam para pátios internos onde, por vezes, o odor a suavizante da roupa a secar se misturava com um inapropriado cheiro a fritos. Encontrar habitación com uma boa relação qualidade/preço requereu tempo e sorte.


As pessoas são diferentes, a arquitectura é diferente. As tapas, hummmm, as tapas. A cultura, o sol, a noite. Gaudí, Dali, Miró e tantos outros que deixaram a sua indelével marca artística dispersa pela cidade. Barcelona ofereceu-se assim a mim para ser descoberta. Nesta cidade despida de preconceitos há liberdade para todas as idiossincrasias comportamentais. Cada um faz o que quer, cada um é quem quer sem temor de olhares reprovadores. Respira-se cultura e transpira-se liberdade. Barcelona soube reinventar-se, soube crescer e soube reabilitar-se rentabilizando ao máximo a prosperidade económica possibilitada tanto pela entrada de Espanha na União Europeia em 1986 como os Jogos Olímpicos de 1992, capitalizando investimento externo e turismo. Possui hoje uma rede de transportes públicos exemplar, possui escolas reputadas, indústria, infra-estruturas e serviços de alta qualidade e afirma-se, seguramente, como uma das grandes cidades europeias palco de acontecimentos tão díspares como festivais de música electrónica, congressos, óperas e competições desportivas tão importantes como a passagem do Tour de France e a F1.


A Comunidade Autónoma da Catalunha possui 7.5 milhões de habitantes, 5.5 dos quais residem em Barcelona. O total de emigrantes, maioritariamente provenientes da América Latina, Norte de África e Europa, representa quase 1/5 da população. Portugueses somos treze mil, em toda a província, sendo que aproximadamente 8 mil estamos nesta cidade que me acolheu onde ouvir falar a língua de Camões (com e sem sotaque) é uma banalidade. Todos estes números são dados oficiais do IDESCAT, o Instituto Oficial de Estatística da Catalunha, mas estima-se que os valores reais referentes à emigração se situem bastante acima deste census devido a uma enorme quantidade de emigração ilegal. Embora grande parte dos estrangeiros residentes venha para trabalhar, é grande o número de estudantes em programas de mobilidade ou a frequentar formações de grau superior em universidades e institutos da cidade. É esta mescla de pessoas e os 8.8 milhões de turistas anuais que conferem à cidade um ecletismo cultural ímpar, onde todos coabitam sem atritos visíveis. Devido à minha profissão não posso deixar de referir uma curiosidade: há aqui mais designers por quilómetro quadrado do que píxeis no meu monitor!


Os Catalães são um povo orgulhoso da sua autonomia e não é por acaso que têm boas relações com os Bascos; a cada oportunidade de se demarcarem do Reino de Espanha, fazem-no! Fazem-no através do seu idioma próprio, das bandeiras da sua comunidade autónoma ou da bandeira oficiosa por eles criada para um hipotético estado independente catalão que tanto anseiam - que creio que nunca conseguirão - e em autocolantes nos carros com um burro, ao invés do reconhecidíssimo touro espanhol. Penso ser esta espécie de endogamia social o maior entrave nas suas relações com os estrangeiros ficando com a sensação que é difícil entrar nos seus grupos sociais informais, mas pode ser que a razão seja predominantemente idiomática.


Foram 6 meses muito curtos mas muito intensos que me fizeram transformar numa esponja que absorve tudo, desde a arte até ao que não consigo descrever como simples movida porque na realidade é bem mais do que isso. Sempre soube que iria terminar em breve e esforcei-me para aproveitar ao máximo todo o encanto e oportunidades desta fantástica cidade, todas as lições, todas as diferenças culturais que através de outros expatriados conheci, todos os fins de semana, todos os eventos a que pude assistir, todos os locais que pude visitar, toda a formação que pude frequentar. Convido-vos a (re)descobrirem esta cidade sem que se fiquem somente pelas Ramblas, museus e locais turísticos, há muito, mas mesmo muito mais para ver.


Como dizem os catalães, al pot petit hi ha la bona confitura*.


Estreitei laços, conheci pessoas de mais de 25 países e ganhei ritmo de trabalho. Enrijeci.


Enrijeci, cresci e não sou seguramente o mesmo André de há meio ano atrás. Sou um upgrade de mim próprio, sou eu em versão 2.0; mais internacional, mais conhecedor, mais cultural, mais permissivo aos outros e à diferença, um cidadão do mundo, mais do que nunca.


A todos com quem me cruzei, foi um prazer conhecer-vos. A todos com quem criei amizade, estão cá dentro. Ao AICEP, o meu muito obrigado. Deu-me uma oportunidade fantástica e possibilitou-me uma experiência sem precedentes; deu-me o início de carreira que sempre quis.


Agora vou-me, contente. O próximo desafio está próximo.


Adéu
!



*é em frascos pequenos que vem o melhor doce (máxima catalã)

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