28 maio 2010

84 queixas por dia!

"Violência Doméstica é qualquer conduta ou omissão de natureza criminal, reiterada e/ou intensa ou não, que inflija sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, de modo directo ou indirecto, a qualquer pessoa que resida habitualmente no mesmo espaço doméstico ou que, não residindo, seja cônjuge ou ex-cônjuge, companheiro/a ou ex-companheiro/a, namorado/a ou ex-namorado/a, ou progenitor de descendente comum, ou esteja, ou tivesse estado, em situação análoga; ou que seja ascendente ou descendente, por consanguinidade, adopção ou afinidade." (APAV)

Portugal aparece no mais recente relatório da Amnistia Internacional, de 27 de Maio de 2010, devido a três assuntos: maus tratos policiais, voos da CIA que passaram no país e violência doméstica.
Não querendo de forma alguma retirar importância aos dois primeiros tópicos, o último interessa-me especialmente.

Segundo o relatório da DGAI acerca da violência doméstica em 2009, este é o quarto crime mais registado em Portugal - 30543 participações no ano em análise, o que corresponde a uma média de 84 queixas por dia. Segundo as estatísticas, a larga maioria das vítimas foram mulheres (85%), cerca de metade na faixa etária dos 25 aos 45 anos, e a larga maioria dos denunciados foram homens (88%), aproximadamente metade dos quais eram consumidores habituais de álcool e apenas 15% possuíam armas; por outro lado, em 64,5% dos casos a vítima mantinha uma relação conjugal com o denunciado e cerca de metade das ocorrências foram presenciadas por menores. Até aqui nada de novo. Para mim, curioso foi perceber que aproximadamente um quarto dos agressores possuíam habilitações ao nível do ensino secundário ou superior, que na grande maioria dos casos não havia qualquer dependência económica e que em cerca de metade dos casos existiram denúncias anteriores por agressão à mesma vítima praticadas pelo mesmo agressor.
Ainda segundo as estatísticas, as situações de violência são desencadeadas pelas mais diversas razões, entre as quais: agressores alcoolizados ou sob o efeito de estupefacientes; questões monetárias ou desemprego; ameaça de abandono por parte do cônjuge; conflitos relacionados com a custódia dos filhos; doenças do foro psicológico; negação da vítima em ter relações sexuais; situações de gravidez; ciúmes e até pormenores ligados à rotina diária, como as refeições ou objectos fora do sítio...


Experimentem perguntar a uma mulher vítima de agressões o porquê de continuar com o namorado ou marido ou o que for. Conheço respostas como: "Porque o amo!", "Isto são fases, tudo passa" ou "Também tive culpa"... Há até quem ache normal. Outra experiência será tentar afastar essa mulher do agressor - provavelmente, além de continuar com ele, ela vai afastar-se de quem a aconselha a tal coisa. Amor? Hábito? Valores, religião, pressão da sociedade? Medo...? Não vou julgar. Não gosto de fazer juízos de valor, nem me compete fazê-lo. Vinte anos bastaram para que fizesse e suportasse inúmeras coisas que tinha afirmado que nunca iria fazer ou suportar. No entanto, os números assustam-me. É a realidade em que vivemos mas é difícil aceitá-la. São situações improváveis de perceber, além de que o "entre marido e mulher ninguém mete a colher" ainda está demasiado entranhado na nossa sociedade e isso não ajuda em nada.

Finalmente, parece-me importante frisar quatro coisas:
1. O Código Penal português prevê e pune os crimes de violência doméstica ( Art. 152).
2. A GNR conta com 22 Núcleos de Investigação e Apoio à Vítima e com 210 Equipas de Investigação e Inquérito, enquanto que na PSP existem 250 Equipas de Proximidade e Apoio à Vítima.
4. A violência doméstica é um crime público.

25 maio 2010

Campanha da Santa Casa - idosos para adopção

Os factos: segundo estatísticas do INE, 321 mil idosos moram sozinhos em Portugal - destes, 18 mil estão no concelho de Lisboa, tido como um dos mais envelhecidos do país.

A notícia: a Santa Casa da Misericórdia lança no final do mês corrente uma campanha de acolhimento de idosos e adultos com deficiência que vivam sozinhos. As famílias que se disponibilizem a adoptar um destes idosos receberão, no mínimo, 622€ por mês.

A verdade é que não consigo formar uma opinião acerca disto.
Antes de mais, é-me difícil acreditar neste cenário. Porque é que estas pessoas estão sozinhas? Onde estão as famílias, os seus descendentes...? Cada caso é um caso, sei disso, mas aqui tratam-se de muitos casos com um final semelhante, o que definitivamente me assusta.
À parte disso, consigo ver vantagens numa medida como esta: os números apresentados em cima são de ter em conta, como é de ter em conta a solidão e a tristeza e as suas consequências para as pessoas associadas a esses números... há benefícios para um idoso em ser acolhido por uma família (entenda-se, por uma família adequada) em vez de ser enfiado num lar para a terceira idade.
Por outro lado, quanto ao método, a primeira dúvida que me assaltou foi a que respeita aos incentivos. Uma compensação financeira será certamente necessária, pois as famílias terão gastos adicionais... mas como se define o montante? Que limite, que barreira se deve estabelecer? E como prever as intenções das pessoas face a esse dinheiro? Na melhor das hipóteses, os 622€ poderão ser vistos exactamente como uma ajuda para aqueles que realmente querem adoptar a pessoa em causa, apoiá-la e dar-lhe uma vida melhor; mas também poderão ser suficientes para que alguns se limitem a "aturar" devidamente um velhinho e para que outros o façam, ou finjam fazer, indevidamente... de qualquer forma, nem 600€ nem 600.000€ chegariam certamente para comprar afectos. Não é fácil integrar uma pessoa alheia numa família, muito menos uma pessoa idosa, de personalidade, hábitos e vícios feitos. É óptimo falar e aprender com os mais velhos, ouvir as histórias e os ensinamentos, as lições de vida e as mil experiências que cada um deles possui... mas será possível adoptar um idoso? Um idoso que não terá, à partida, facilidade nem vontade de se adaptar a nós e ao nosso estilo de vida? Um idoso que traz consigo todo um passado que nada tem em comum connosco? Sinceramente, não tenho estas respostas.
Os incentivos escolhidos podem deturpar quaisquer boas intenções iniciais. Sabe-se que as famílias candidatas serão sujeitas a entrevistas, terão que cumprir critérios rígidos e participar em acções de formação contínuas. Que critérios? Que acções de formação? Que entrevistas? Que se vai avaliar? Quem vai avaliar? Essencial: os idosos terão uma palavra a dizer acerca da escolha? Haverá acompanhamento, caso a caso, por entidades responsáveis (a Santa Casa, neste contexto)? Durante quanto tempo? Haverá verificação do uso dado aos 622€ (ou mais), que consistem em apoio da Santa Casa adicionado a 70% da pensão da pessoa acolhida? ... São apenas dúvidas. As respostas serão certamente cruciais para uma tomada de opinião.

Para os interessados, recomendo a crónica de Daniel Oliveira para o Expresso - Os velhos.

18 maio 2010

Casamento?!

O Presidente da República promulgou ontem o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (o link dá acesso à notícia do Expresso que inclui o discurso na íntegra).

Não me julgo a melhor pessoa para falar disto nem tenho a pretensão de ter razão, mas não posso deixar de expressar a minha opinião pessoal. Não sou tão liberal quanto a maioria, pelo menos não nestas questões, nem aprovo as modernices que esmagam a tradição e os costumes. O casamento é, por definição - não nos dicionários, que já foram adaptados, mas na cabeça de pelo menos algumas pessoas - a união entre pessoas de sexo diferente, com o intuito de construir família. Como é fisicamente impossível (até ver!) duas pessoas do mesmo sexo construírem família, desde logo não me parece que se enquadrem no conceito.
Que fique claro que não sou homofóbica. Longe disso! Cada um é como é, há que aceitar as diferenças. Mas não é correcto tratar os diferentes como iguais. Igualdade é, exactamente, tratar cada um de acordo com as suas características - iguais como iguais, diferentes como diferentes. E ser homossexual não é melhor nem pior: é diferente.
Mais, aceito obviamente que duas pessoas do mesmo sexo se apaixonem e namorem, além de que concordo plenamente que vivam juntas e que tenham os benefícios económicos (financeiros, em termos de heranças...) que o casamento, enquanto contrato, permite aos heterossexuais. Mas... chamar-lhe casamento?! Sim, é com o nome que não concordo. Qual é a importância do nome? Toda. É toda a importância que têm a tradição e as crenças das pessoas. É toda a importância que tem o conceito em si, que está a ser (já foi!) deturpado. Agora, dois homens ou duas mulheres podem casar. Lindo!
De acordo com o discurso do PR, países como a Alemanha, França e Reino Unido adoptaram soluções que respeitam simultaneamente os direitos dos homossexuais e o conceito original de casamento. Aliás, apenas 4 dos 27 países da União Europeia chamam casamento à união entre pessoas do mesmo sexo... apenas 7 países no Mundo o fazem.
Vamos chamar retrógrados à Alemanha, à França e a todos os restantes 23 países da UE e modernos aos portugueses? Que mente aberta que "nós" temos!
Tenho 19 anos (quase 20!). E estou realmente chateada, realmente desiludida com tal modernismo.

12 maio 2010

"O tempo tornou-se um luxo"...

No passado dia 10 de Maio, o Presidente da República recebeu dez ex-ministros para debater com eles a situação actual do país. Falei nisto no post anterior, confesso que estava realmente curiosa (mais: esperançosa!) com o resultado de tal encontro. Afinal, são todos eles políticos e economistas com experiência e reputação, possuidores de um know-how invejável. Assim, dia dez à tarde procurei novidades nas notícias... não encontrei nada. Ontem, dia onze, voltei a procurar. Nada.
Para além das reacções de Francisco Louçã e Alberto João Jardim (tão longe e tão perto...), semelhantes pela crítica comum - os ex-ministros em causa são os "pais do défice", "co-responsáveis pelo estado do país" -, tipicamente nada construtiva, pouco se falou no assunto, pelo menos que eu desse conta, e do que se falou pouco ou nada se ficou a saber acerca das conclusões a que chegaram.
Segundo notícia do Jornal de Negócios, o grupo afirmou uma "profunda preocupação" com a situação actual portuguesa e defendeu "decisões adequadas e urgentes" para ultrapassar essa dita situação. Quando digo que não encontrei nada, quero dizer mais precisamente que não encontrei nada de novo. Que os senhores em questão estão preocupados com o estado das coisas e que têm a perfeita noção que é preciso fazer qualquer coisa (muitas coisas, possivelmente) eficiente e urgentemente, já eu calculava.
Quero acreditar que chegaram a conclusões e tiveram boas ideias. Se não eles, quem?! Chateia-me, portanto, que não passem cá para fora essa informação. Como disse Vítor Constâncio, e muito bem, "o tempo tornou-se um luxo". Já passaram quase dois dias, não será altura para se debaterem as ditas medidas "adequadas e urgentes"?
Eu sei que têm sido dias intensos. O Benfica foi campeão, o Papa veio a Portugal... Enfim. Não querendo tirar importância a nenhum destes eventos, até porque constato que são de extremo interesse para a maioria da população portuguesa - basta dar uma olhadela no número de visualizações e comentários que mereceram nos jornais on-line, face a quaisquer notícias políticas ou económicas dos últimos tempos -, tenho que concluir e relembrar que, como nem vivemos de futebol (muito menos das vitórias do Benfica!) nem acreditamos, à partida, que as nossas finanças sejam susceptíveis de milagres, talvez seja uma óptima ideia voltar a olhar para a crise que temos em mãos. Digo eu!

04 maio 2010

Prós e Contras - as Finanças Públicas

A FEUNL deu-nos a oportunidade de assistir ao vivo ao Prós e Contras, hoje com Luís Campos e Cunha, João Salgueiro, António Nogueira Leite, José Silva Lopes e Guillermo de la Dehesa como convidados. Tema: as Finanças Públicas. Pela esperança de encontrar no debate soluções, ou pelo menos pontos de vista claros acerca do panorama actual, aliada à curiosidade pelas opiniões de economistas reconhecidos, dois deles (Luís Campos e Cunha e João Salgueiro) meus professores, eu e outros cinquenta colegas aproveitámos a oportunidade e lá estivemos.

Desta forma, tenho a destacar:

  • Antes de mais, o (des)encanto do Mundo televisivo. Não fosse ter podido observar de perto as expressões de cada um dos intervenientes, desde as mais discretas às menos próprias (além de constatar que a bebida servida a Guillermo de la Dehesa era, sim, vinho e não a água que serviram aos restantes convidados - ficou por desvendar o porquê!), diria que preferia ter assistido em casa, no sofá.
  • Coisas sérias. Espantou-me, acima de tudo, a postura de João Salgueiro. Que é absolutamente contra os maus investimentos públicos, grupo em que tal como Campos e Cunha integra o TGV em particular, eu já sabia - afinal de contas, ambos são meus professores. O que eu desconhecia era a faceta no mínimo determinada a que tive oportunidade de assistir, especialmente aquando do confronto com Luís Nazaré - quem viu, sabe certamente do que estou a falar.
    Quanto aos grandes investimentos do sector público, o debate foi conclusivo: são necessários, enquanto impulsionadores do crescimento económico. Resta distinguir os bons dos maus investimentos, aqueles que se tornarão rentáveis dos que nunca serão sequer auto-sustentáveis, e isto faz-se primeiramente através de uma análise de necessidade do bem ou do serviço em causa e, posteriormente, de uma análise de custo-benefício imparcial e credível. O TGV, tal como a terceira travessia do Tejo ou a auto-estrada do Centro, não convencem: não são justificáveis, pelo menos no curto-prazo, e muito menos seriam rentáveis.
  • De seguida, o pessimismo de José Silva Lopes face ao optimismo de Luís Nazaré. O primeiro mostrou não acreditar que se possam manter os salários nominais ou que os funcionários públicos possam continuar a receber, no curto-prazo, décimo terceiro e décimo quarto mês. O segundo, por seu lado, admitiu ser optimista ao ponto de considerar "baixos" os montantes que o sector público dispenderia (dispenderá, talvez) no financiamento do dito TGV. A verdade há-de estar algures pelo meio, como habitualmente.
  • Luís Campos e Cunha, a certa altura, destacou aqueles que considera como os três problemas principais da economia portuguesa: a curto prazo, a consolidação das contas públicas, importante tanto porque é a base de tudo o resto como por precisarmos mostrar trabalho feito à Comissão; no médio prazo, o sistema de justiça, no que respeita a mais organização e melhor legislação, o que também será um ponto de partida à atracção de investimento externo; a longo prazo, a educação. Tomei conhecimento que Portugal está bem e recomenda-se em termos de investimento no ensino não universitário e de indicadores de número alunos por sala ou por professor, mas continua péssimo nos resultados desses mesmos alunos. Que se passa, então? Não será falta de investimento, obviamente. O que me parece, e isto é só a minha opinião, é que existe em primeiro lugar uma questão de falta de incentivos à qualidade do ensino, situação que não foi de todo melhorada pelo tão polémico sistema de avaliação dos professores; aqui, poderíamos também falar no desinteresse dos alunos pela escola e na falta de um outro tipo de educação que é cada vez mais nítida, mas não é esse o objectivo do post. Em segundo lugar, não posso deixar de enfatizar mais uma opinião pessoal - programas de Novas Oportunidades não servem propósitos de aumento da produtividade do factor trabalho mas sim, e unicamente, de estatísticas. A questão é que é no capital humano que terá que assentar toda e qualquer esperança de inovação, de desenvolvimento e crescimento. Apesar de ser um objectivo alcançável apenas no longo prazo, parece-me urgente começar desde já pelo menos a repensar o sistema que temos.
  • Depois, a competitividade. Sempre a competitividade. O PEC só é viável se crescermos, e só crescemos simultaneamente com a adopção de uma política orçamental contraccionista (aumento de impostos, diminuição da despesa pública...), necessária à consolidação orçamental, se a produtividade aumentar. Aumentando as exportações e diminuindo a dependência externa. Captando bons investimentos. Apoiando as PME em vez de proteger mais e mais o sector não transaccionável.
  • Por falar em PEC (denominado também de "PE", visto que não se percebe nele a vertente do crescimento...), foi mencionada a colaboração entre o Governo e o PSD no âmbito do programa. Nomeadamente, destacou-se que esta colaboração não significa a sua aprovação pelo principal partido da oposição mas sim a disponibilidade para cooperar na definição de medidas mais adequadas à situação do país. Não se trata de um "cheque em branco passado ao Eng. Sócrates"... felizmente.

Finalmente, e visto que o post já vai longo demais, concluo admitindo que embora tenha lucrado com um debate de opiniões diferentes e bem justificadas (quase todas), no que respeita às respostas saí de lá tal como tinha entrado. Nogueira Leite chamou a atenção para a facilidade em reconhecer os problemas, que segundo o próprio estão em cima da mesa há mais de quinze anos, face à necessidade que se mantém de encontrar soluções. João Salgueiro concordou, justificando neste facto o descrédito e a desconfiança em torno dos nossos políticos, ao passo que Luís Nazaré admitiu não ter a fórmula mágica - pelos vistos, ninguém tem.
O Presidente da República recebe, no próximo dia 10, alguns ex-ministros das Finanças, com o intuito de discutir a situação económica do país. Não esperando já fórmulas mágicas, há que ter esperança no surgimento de caminhos possíveis e soluções viáveis e fundamentadas.
Cá estaremos para ver.