12 março 2012

O Ricardo

Tinha acabado de me sentar no jardim e preparava-me para começar a ler quando o Ricardo me encontrou. Perguntou-me as horas. 16h30. Continuou a olhar-me nos olhos e disse-me que gostava de me conhecer para sermos amigos. A medo e mais atrapalhada que de costume, disse-lhe o meu nome, larguei as revistas e decidi ser amiga do Ricardo.

Durante a hora seguinte, o Ricardo contou-me que pratica desporto, faz Pilates e anda numa espécie de triciclo sem pedais e com apoio para as costas. Quer participar no campeonato internacional, que este ano é em Portugal, mas há um mês e meio que não pratica porque tem estado de castigo (uma brincadeira de mau gosto no facebook...) e, segundo ele, se não o deixarem treinar o suficiente e na altura não estiver preparado, prefere não participar. Ponto assente.
Contou-me também sobre um livro que anda a ler, que fala sobre pessoas e sobre demónios e que segundo ele "é difícil de entender e meio estranho" para quem não conhece o tema. Percebi-o envergonhado e não tentei saber mais.

O Ricardo tem 31 anos e sofre de paralisia cerebral. Está num Centro de Dia mas prefere passear pela cidade ou pelo centro comercial e não resiste ao sol, ainda que a monitora se zangue. Desconfio que anda à procura da namorada com quem sonha: simpática, bonita, "e não é por nada, mas preferia que não andasse de cadeira de rodas".

Apesar dos 31, o Ricardo sorri como uma criança, com a cara toda. Os olhos têm vida e as gargalhadas fluem. Olhou-me nos olhos com um brilho especial, mais tempo do que normalmente consigo suportar. É honesto, é genuíno, é entusiasmado com o que de bom lhe dá a vida.

Despedimo-nos com mais um sorriso. E por mais vontade que tenha tido de chorar, não chorei. Sorri! Sorri porque sou uma sortuda: o Ricardo encontrou-me e ofereceu-me bem mais do que pensei conseguir esta tarde. Abriu-me o coração, ensinou-me alegria.

01 março 2012

Desabafo barato de alguém que não faz nada há quinze dias

Assim que fiz 20, lembro-me que comecei a fazer contas e percebi que já tinha vivido (pelo menos) um quinto da minha vida. Que possivelmente já tinha feito mais de um quinto das escolhas importantes que hei-de ter que fazer. E que no fundo já era a Carina que hei-de ser para sempre. E também percebi que não me tinha preparado para isso, nunca antes dos 20 pensei a longo prazo ou com atenção às consequências, nunca pensei no tamanho das consequências.

E é quase ridículo dizê-lo, mas nada me assusta como o tempo. Aliás, como perder tempo! Pior: dedicar tempo demais a opções erradas, porque tudo demora tanto tempo... O erro, a descoberta, o luto, a nova escolha. Assusta-me chegar ao fim do dia, do mês, do ano, e não ter feito o que planeei fazer. Ou perceber que fiz pouco, que não aproveitei o tempo, que não fiz por merecê-lo.

É aquilo que de mais precioso temos. Mais necessário. E mais escasso. E mais “escorregadio”. Mesmo em momentos nos quais demora a passar, ele passa e não volta mais. É irrecuperável. O dia de hoje é irrecuperável e, daqui em diante, nunca mais posso fazer o que quer que seja nele, arrependa-me ou não do que deixei lá.

E nada me assusta como arrepender-me de ter perdido “um dia de hoje”, por isso mesmo: posso recuperar quase tudo o resto, menos o tempo.