Os factos: segundo estatísticas do INE, 321 mil idosos moram sozinhos em Portugal - destes, 18 mil estão no concelho de Lisboa, tido como um dos mais envelhecidos do país.
A notícia: a Santa Casa da Misericórdia lança no final do mês corrente uma campanha de acolhimento de idosos e adultos com deficiência que vivam sozinhos. As famílias que se disponibilizem a adoptar um destes idosos receberão, no mínimo, 622€ por mês.
A verdade é que não consigo formar uma opinião acerca disto.
Antes de mais, é-me difícil acreditar neste cenário. Porque é que estas pessoas estão sozinhas? Onde estão as famílias, os seus descendentes...? Cada caso é um caso, sei disso, mas aqui tratam-se de muitos casos com um final semelhante, o que definitivamente me assusta.
À parte disso, consigo ver vantagens numa medida como esta: os números apresentados em cima são de ter em conta, como é de ter em conta a solidão e a tristeza e as suas consequências para as pessoas associadas a esses números... há benefícios para um idoso em ser acolhido por uma família (entenda-se, por uma família adequada) em vez de ser enfiado num lar para a terceira idade.
Por outro lado, quanto ao método, a primeira dúvida que me assaltou foi a que respeita aos incentivos. Uma compensação financeira será certamente necessária, pois as famílias terão gastos adicionais... mas como se define o montante? Que limite, que barreira se deve estabelecer? E como prever as intenções das pessoas face a esse dinheiro? Na melhor das hipóteses, os 622€ poderão ser vistos exactamente como uma ajuda para aqueles que realmente querem adoptar a pessoa em causa, apoiá-la e dar-lhe uma vida melhor; mas também poderão ser suficientes para que alguns se limitem a "aturar" devidamente um velhinho e para que outros o façam, ou finjam fazer, indevidamente... de qualquer forma, nem 600€ nem 600.000€ chegariam certamente para comprar afectos. Não é fácil integrar uma pessoa alheia numa família, muito menos uma pessoa idosa, de personalidade, hábitos e vícios feitos. É óptimo falar e aprender com os mais velhos, ouvir as histórias e os ensinamentos, as lições de vida e as mil experiências que cada um deles possui... mas será possível adoptar um idoso? Um idoso que não terá, à partida, facilidade nem vontade de se adaptar a nós e ao nosso estilo de vida? Um idoso que traz consigo todo um passado que nada tem em comum connosco? Sinceramente, não tenho estas respostas.
Os incentivos escolhidos podem deturpar quaisquer boas intenções iniciais. Sabe-se que as famílias candidatas serão sujeitas a entrevistas, terão que cumprir critérios rígidos e participar em acções de formação contínuas. Que critérios? Que acções de formação? Que entrevistas? Que se vai avaliar? Quem vai avaliar? Essencial: os idosos terão uma palavra a dizer acerca da escolha? Haverá acompanhamento, caso a caso, por entidades responsáveis (a Santa Casa, neste contexto)? Durante quanto tempo? Haverá verificação do uso dado aos 622€ (ou mais), que consistem em apoio da Santa Casa adicionado a 70% da pensão da pessoa acolhida? ... São apenas dúvidas. As respostas serão certamente cruciais para uma tomada de opinião.
Para os interessados, recomendo a crónica de Daniel Oliveira para o Expresso - Os velhos.
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