Aos 14 decorei um poema de Fernando Pessoa que sei até hoje.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Na altura fiquei fascinada com a clareza da exposição de uma dúvida que me começava a atormentar: que raio era ser “eu própria”, afinal? Sabia que o certo era ser genuína. E ainda hoje é essa a característica que mais admiro nos outros: a ingenuidade, a personalidade genuína que algumas pessoas conseguem manter, independentemente de tudo.
Mas e quanto a mim? Que genuína? Conseguia, e consigo, pensar em mim de mil formas diferentes. Imaginar-me na mesma situação de mil maneiras diferentes, todas verdadeiras. Sonhar mil vidas distintas que gostaria de viver. Mais: viver de mil formas diferentes, agir de mil formas diferentes, todas minhas, todas reais. Adoptar mil estilos, mil personalidades, mil crenças, mil conjuntos de características, todos eles diferentes, todos eles perfeitos. Qualquer um deles. A verdade é que desde cedo houve muitos “eus”. Cresci e cada um deles cresceu comigo. Um nota-se mais hoje, sonho com o outro amanhã e não é de todo possível simplesmente escolher um, para sempre. No dia-a-dia vou optando ou cedendo, reconhecendo-me ou não, mudando ou não, querendo ou não ser o que sou, arrependendo-me ou não do que fui. Analisando. Ajustando-me. Às pessoas, aos locais, ao que me exigem, ao que acho certo ou errado ou ao que quero que pensem. Em cada momento. É conforme. E é tão assustador como genial. Como a clareza louca de Fernando Pessoa. Não é falsidade nem falta de coerência... sou eu. Tudo isso. E, tal como pareceu acontecer com FP e possivelmente acontece com muitos de nós (excepção para os genuínos que frisei em cima), continua a existir este eu que assiste ao que se passa. Este parece ser sempre o mesmo. Menos mal.