"Palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo, o rio da
portugalidade. O rio que divide e une Portugal e que, à semelhança do
Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da
planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do
monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a
resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do
guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é
um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte, mas foi no Alentejo que se fez Homem.
Guimarães é o berço da Nacionalidade; Évora é o berço do Império
Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de refugiar em
Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras, um
homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem
consegue ver ao longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino, depois de dobrar o
Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia, para D. João II
perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar com o
peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que, para o homem
comum, fica muito longe, para um alentejano, fica já ali. Para um
alentejano, não há longe, nem distância, porque só um alentejano
percebe intuitivamente que a vida não é uma corrida de velocidade, mas
uma corrida de resistência onde a tartaruga leva sempre a melhor sobre
a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada
decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando
regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama
respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar
da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio
onde não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a
continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de
Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da
Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que
desiste quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou
seja, muitos portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso
contrário, não teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno
sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade mas pela
qualidade dos combatentes. É certo que o rei de Castela contava com um
poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre
de Avis tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não
se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o
tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporção
numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os
alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para
as grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar
plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que
Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve
de fazer os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum
prazer. Na cama e na mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a
resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntou o que é
que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens
pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito
menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os
alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o
Alentejo foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou
para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana
e intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros
dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos
contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao
mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas, para que uma pessoa se ria de si própria, não basta ser ridícula,
porque ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só
que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido
de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente
bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças
alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior
honra do que ser objecto de uma boa gargalhada. O sentido de humor
humaniza as pessoas, enquanto a alarvice diminui-as.
E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas,
incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de
observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota preferida. Num dia em que chovia
muito, o revisor do comboio entrou numa carruagem onde só havia um
passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo molhado, em
virtude de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó
amigo, por que é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está estragada.», respondeu o
alentejano. «Então por que é que não troca de lugar?» «Eu trocar,
trocava... mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. O
Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é
castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer
alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão
alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo,
refeição e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de
ser comido. É tão bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim
da semana. Só quem come o pão alentejano está habilitado para entender
o mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite
quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de
Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção
poderia um homem almejar ?"
recebido por e-mail do JACR
portugalidade. O rio que divide e une Portugal e que, à semelhança do
Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da
planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do
monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a
resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do
guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é
um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte, mas foi no Alentejo que se fez Homem.
Guimarães é o berço da Nacionalidade; Évora é o berço do Império
Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de refugiar em
Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras, um
homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem
consegue ver ao longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino, depois de dobrar o
Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia, para D. João II
perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar com o
peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que, para o homem
comum, fica muito longe, para um alentejano, fica já ali. Para um
alentejano, não há longe, nem distância, porque só um alentejano
percebe intuitivamente que a vida não é uma corrida de velocidade, mas
uma corrida de resistência onde a tartaruga leva sempre a melhor sobre
a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada
decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando
regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama
respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar
da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio
onde não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a
continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de
Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da
Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que
desiste quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou
seja, muitos portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso
contrário, não teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno
sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade mas pela
qualidade dos combatentes. É certo que o rei de Castela contava com um
poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre
de Avis tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não
se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o
tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporção
numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os
alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para
as grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar
plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que
Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve
de fazer os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum
prazer. Na cama e na mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a
resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntou o que é
que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens
pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito
menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os
alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o
Alentejo foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou
para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana
e intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros
dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos
contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao
mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas, para que uma pessoa se ria de si própria, não basta ser ridícula,
porque ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só
que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido
de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente
bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças
alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior
honra do que ser objecto de uma boa gargalhada. O sentido de humor
humaniza as pessoas, enquanto a alarvice diminui-as.
E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas,
incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de
observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota preferida. Num dia em que chovia
muito, o revisor do comboio entrou numa carruagem onde só havia um
passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo molhado, em
virtude de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó
amigo, por que é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está estragada.», respondeu o
alentejano. «Então por que é que não troca de lugar?» «Eu trocar,
trocava... mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. O
Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é
castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer
alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão
alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo,
refeição e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de
ser comido. É tão bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim
da semana. Só quem come o pão alentejano está habilitado para entender
o mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite
quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de
Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção
poderia um homem almejar ?"
recebido por e-mail do JACR